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News & MediaLatest NewsRótulos em Debate: O Colaborador vs Denunciante

15 de Abril, 2025

 

No panorama jurídico português, especialmente no contexto do Compliance Criminal, em particular no âmbito da prevenção da corrupção e da promoção da ética empresarial, emergem duas figuras de relevo nos sistemas de integridade e de responsabilização, uma na esfera do direito premial:  o arrependido colaborador e, outra na esfera da proteção dos denunciantes de infrações: o denunciante. Ambos assumem papéis decisivos na revelação de práticas ilícitas, mas o modo como surgem, os regimes legais que os enquadram e os objetivos que os movem são substancialmente distintos – embora muitas vezes confundidos, tanto na opinião pública, como dentro das próprias estruturas organizacionais.

 

Importa, por isso, clarificar conceitos e refletir sobre os mitos que ainda persistem, sobretudo numa altura em que a Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, se afirma como um instrumento determinante na promoção da cultura de compliance.

 

  1. O Arrependido Colaborador

 

Tal figura tem vindo a ser assumida como aquele que participou – de forma ativa ou passiva – em práticas ilícitas e que decide colaborar com as autoridades, seja por receio de ser punido, seja na expectativa de ver a sua pena atenuada, ou ainda por uma motivação ética, que leva à reformulação da sua conduta e ao desejo de corrigir o seu comportamento.

 

No ordenamento jurídico penal português, a determinação e a medida da pena assentam na culpa do agente e nas exigências de prevenção, conforme impõe o artigo 71.º do Código Penal, devendo ser tidas em conta diversas circunstâncias que possam agravar ou atenuar a pena concreta, como o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo, a motivação, ou até o comportamento anterior e posterior do agente.

 

Adicionalmente, o artigo 72.º prevê uma atenuação especial da pena quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude, a culpa ou a necessidade de punição – como o arrependimento sincero ou o tempo decorrido com boa conduta desde o crime.

 

No entanto, o direito premial encontra consagração mais expressiva em determinados crimes específicos, em especial:

 

  • No crime de branqueamento de capitais (artigo 368.º-A do Código Penal), pode haver atenuação especial da pena se houver reparação integral dos danos ou colaboração decisiva na investigação;
  • No âmbito dos crimes de corrupção (artigo 374.º-B do Código Penal), a pena pode ser dispensada quando o crime seja denunciado em tempo útil ou atenuada em caso de colaboração relevante do arguido com as autoridades.

 

Importa sublinhar que estas formas de colaboração só são valoradas quando sustentadas por provas concretas e úteis. A mera denúncia ou declarações sem corroboração não são, por si sós, suficientes para justificar a aplicação de um regime mais favorável ao colaborador.

 

Em suma, o sistema penal português reconhece o valor do arrependimento e da colaboração efetiva, mas exige sempre que estas tenham impacto real na prevenção, investigação ou reparação do crime, mesmo que muitas vezes, face ao regime legal em vigor, seja difícil aferir do cumprimento dessa exigência.

 

  1. O Denunciante

 

A figura do denunciante tem vindo a ganhar crescente relevância no quadro legal nacional e europeu, especialmente após a entrada em vigor da Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, que transpôs para o ordenamento jurídico português a Diretiva (UE) 2019/1937, relativa à proteção de quem denunciar violações do direito da União.

 

No sentido técnico-jurídico, o denunciante é um trabalhador, colaborador, fornecedor, prestador de serviços, ou qualquer outro indivíduo cuja função lhe permita aceder a informações sensíveis sobre práticas ilegais, que, no âmbito da sua atividade profissional, tem conhecimento de práticas ilícitas e decide comunicá-las.

 

A legislação portuguesa garante um conjunto de proteções robustas para os denunciantes, que incluem:

 

  • Proibição de retaliações de qualquer espécie;
  • Confidencialidade da identidade do denunciante, garantindo o seu anonimato;
  • Proteção contra sanções disciplinares, civis ou penais.

 

Assim, a implementação de canais de denúncias internos é essencial para garantir que os denunciantes possam comunicar, de forma confidencial e segura, práticas ilícitas que conheçam no exercício das suas funções, representando uma garantia de proteção para o denunciante.

 

  1. O que os Aproxima e Distingue

 

Apesar de as figuras do denunciante e do arrependido colaborador apresentarem diferenças claras em termos de motivação e objetivos, ambas desempenham um papel fundamental na quebra do silêncio organizacional e na identificação de práticas ilícitas.

 

Tanto o denunciante como o arrependido colaborador têm um impacto concreto na mudança de comportamentos dentro das organizações, contribuindo para o desmantelamento de práticas contrárias aos valores éticos e legais, desafiando estruturas de poder internas. O seu papel é crucial na construção de sistemas de integridade e responsabilização. Embora ambos contribuam para a correção de práticas erradas dentro das organizações, existem diferenças fundamentais no seu papel.

 

O denunciante age com a motivação de cumprir um dever ético e jurídico de proteção do interesse público, sendo a sua motivação – na generalidade – contribuir para a promoção da legalidade democrática e a integridade da organização, motivo pelo qual a legislação lhe oferece um conjunto de garantias robustas.

 

Já o arrependido colaborador tende a procurar uma vantagem pessoal, como diminuição de sanções, oferecendo informações sobre as práticas ilícitas de que fez parte, face às dificuldades investigatórias que a criminalidade organizada em geral e o crime económico em especial, empiricamente, comportam. O tratamento jurídico do arrependido envolve uma ponderação penal, levando em consideração o grau de envolvimento e o valor da sua colaboração na descoberta de crimes ou infrações. Não obstante, a atuação do arrependido pode igualmente refletir um imperativo ético ou um processo de responsabilização individual, sobretudo quando motivada por uma consciência crítica dos atos praticados e pela vontade de contribuir para a reposição da legalidade e a reparação do dano causado.

 

  1. Mitos e o Peso dos Rótulos

 

A perceção pública das figuras do denunciante e do colaborador encontra-se, muitas vezes, contaminada por preconceitos e construções culturais muito enraizadas na sociedade, bem como distorcida pela ficção cinematográfica, que tendem a associá-las a ideias de traição, oportunismo ou obtenção de benefícios pessoais.

 

Esta visão ignora a complexidade jurídica e ética que está subjacente à atuação de ambos os intervenientes e contribui para a manutenção de mitos prejudiciais à sua adequada valorização no contexto organizacional.

 

Desde logo, importa rejeitar a noção, profundamente injusta, de que “todo o denunciante é um arrependido disfarçado”. O denunciante, tal como previsto na Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, atua com base num dever ético e jurídico de proteção do interesse público, não estando envolvido na prática dos factos ilícitos que denuncia. Do mesmo modo, é necessário desconstruir a ideia de que a denúncia interna constitui um ato de deslealdade para com a entidade empregadora, quando, na verdade, pode representar uma oportunidade concreta de autorregulação, reforço dos mecanismos de conformidade e de mitigação de riscos. Também relativamente ao colaborador, deve reconhecer-se que, para além da possível atenuação ou isenção de responsabilidade penal, a sua colaboração pode decorrer de uma motivação ética ou de um processo de reavaliação individual das condutas praticadas ou pode ser o único meio de auxílio à investigação criminal de certo tipo de criminalidade. “Resta saber entre a traição e a impunidade, qual delas deverá prevalecer.”

 

Em conclusão, tanto o denunciante como o arrependido colaborador são figuras centrais na deteção e combate a práticas ilícitas, desempenhando papéis distintos, mas complementares na promoção da integridade organizacional e na eficácia da justiça.

 

Importa, por isso, continuar a clarificar os seus enquadramentos jurídicos e a combater perceções distorcidas que desvalorizam o seu contributo. Reconhecer a legitimidade e a importância de cada um, dentro dos respetivos contextos, é essencial para fortalecer uma cultura de conformidade, responsabilidade e transparência, na qual a denúncia e a colaboração são vistas não como traições, mas como atos de coragem e de compromisso com a legalidade e o bem comum.

 

por Alexandra Mota Gomes e Teresa Carneiro, Área de Prática – Criminal, Contraordenacional e Compliance

 

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