O contrato de empreitada consiste num acordo em que uma das partes, o empreiteiro, se obriga à realização de uma obra, e a outra parte, o dono de obra, se vincula ao pagamento do respetivo preço.
A obrigação do empreiteiro tem por base um plano (temporal) e características (substanciais) previamente definidos – nomeadamente no projeto de execução e no mapa de quantidades e trabalhos.
O empreiteiro não está, apenas, obrigado à entrega da obra. Encontra-se, também, vinculado a executá-la de acordo com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou o uso que se encontra contratualmente previsto.
Com a celebração do contrato de empreitada, o dono de obra pretende a entrega desta pelo empreiteiro. No entanto, pode dar-se o caso de este perder o interesse na obtenção desse resultado ou, pelo menos, na execução daquela obra por parte do empreiteiro com quem contratou.
O Código Civil confere ao dono de obra a faculdade de, a todo o tempo, extinguir o contrato de empreitada através da desistência (cfr. artigo 1229.º).
Este modo de extinção não carece de fundamento ou de qualquer aviso prévio – exceto se as partes dispuserem em contrário, no contrato –, e produz efeitos ex nunc, isto é, para o futuro.
Trata-se de uma forma de cessação do contrato de empreitada distinta da resolução e da revogação.
A resolução do contrato por uma das partes pressupõe um fundamento – por exemplo, a execução da obra com defeitos[1] – e opera retroativamente[2].
A revogação do contrato, embora discricionária e não retroativa, depende do acordo de ambas as partes.
Neste sentido, a desistência pode ser entendida como uma situação sui generis, cuja função é dar oportunidade ao dono de obra de não prosseguir com a empreitada, podendo fundamentar-se em várias causas, designadamente mudança de vida, alteração das condições financeiras, entre outras.
A desistência consiste na forma de cessação do contrato que se adequa igualmente aos casos em que o dono de obra quer prosseguir com a mesma, mas através de outro empreiteiro.
Acresce que, a lei não exige forma especial para a desistência.[3]
A amplitude desta possibilidade, do lado do dono de obra, não é, no entanto, desacompanhada de uma tutela, justa e equilibrada, dos interesses do empreiteiro.
O legislador previu que, nos casos de desistência de obra, o dono de obra deve indemnizar o empreiteiro (i) dos seus gastos e trabalho e (ii) do proveito que poderia retirar da obra.
O empreiteiro é, assim, indemnizado pelo interesse contratual positivo, ou seja, a indemnização visa colocá-lo na situação em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido.
Nos gastos a que a lei se refere para calcular a indemnização, incluem-se as despesas em que o empreiteiro incorreu, sem se atender à utilidade que possa ter para o dono de obra a parte que foi executada, motivo pelo qual o montante desta indemnização não está diretamente relacionado com o preço da empreitada.
Podem incluir-se, por exemplo, os gastos com aquisição dos materiais de construção, ainda não incorporados em obra, bem como as remunerações dos trabalhadores, salvo se forem aproveitados para outros trabalhos.
Para se determinar o proveito que o empreiteiro poderia retirar da obra, deve-se atender à totalidade da obra. Neste âmbito, pretende-se indemnizar o empreiteiro pelas quantias que deixou de receber, em virtude de não poder continuar com a execução da obra que lhe foi contratada. Este proveito será determinado pela subtração do custo total da obra ao preço global fixado, que corresponderá, genericamente, ao lucro do empreiteiro.
Operada a desistência, não podem ser invocadas pelo dono de obra as normas referentes à eliminação de defeitos, e o empreiteiro não está obrigado a custear quaisquer obras, feitas por terceiros, tendentes à eliminação de defeitos que a parte da obra por si executada alegadamente tenha.
A verificação de tais defeitos poderá dar lugar a uma redução, equitativa, do montante indemnizatório (calculado nos termos acima descritos).
por Raquel Ribeiro Correia e Ana Patrícia Ribeiro, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem
[1] A resolução não é automática, sendo necessário converter a mora do empreiteiro em incumprimento definitivo, seja através de uma interpelação admonitória, concedendo-lhe um prazo razoável para cumprir a sua obrigação, seja porque o dono de obra perdeu o interesse (objetivo) na prestação a executar pelo empreiteiro.
[2] A resolução implica que deva ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
[3] Pode verificar-se uma desistência tácita da empreitada, quando o dono de obra adjudica os trabalhos ainda não concluídos a outro empreiteiro, ou quando o dono de obra ordena a paragem dos trabalhos e proíbe a entrada do empreiteiro (e dos seus trabalhadores) na obra.