Declaração de inconstitucionalidade (parcial) da isenção do pagamento de remunerações mensais fixas
O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 486/2022, proferido a 28 de junho de 2022, (Processo n.º 1004/2020), veio resolver a problemática dos proprietários/promotores de centros comerciais, inerente à isenção, concedida aos lojistas, do pagamento das remunerações mensais fixas ou mínimas, durante o período da Covid-19 (compreendido entre 13 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2020).
A Covid-19 teve diversos impactos na vida das pessoas e nos mais distintos setores de atividade, impactos esses que determinaram a necessidade, por parte do legislador, de adotar medidas que os pudesse mitigar.
No que diz respeito aos contratos de utilização de lojas em centros comerciais, firmados por empreendedores ou gestores de centros comerciais e cada um dos lojistas, o legislador, com o aditamento do artigo 168.º-A n.º 5 à Lei n.º 2/2020 de 31/03 (Lei de Orçamento de Estado para 2020), e afastando-se da solução preconizada para os contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, veio isentar o lojista do pagamento da remuneração fixa convencionada entre as partes, mantendo, porém, a obrigatoriedade do pagamento de uma remuneração variável, assim como das respetivas contribuições para as despesas e encargos comuns.
A referida norma, à data, teve como escopo o – apoio material à recuperação da atividade económica – e que na prática se traduziu na prestação de auxílio aos lojistas instalados em centros comerciais, tentando minimizar os prejuízos sofridos por estes com o encerramento das suas lojas ou com a manifesta diminuição da sua atividade.
Ora, sem prejuízo das naturais e meritórias preocupações do legislador, a norma em apreço suscitou dúvidas relacionadas com a violação dos direitos de propriedade privada e de livre iniciativa económica dos proprietários e gestores de centros comerciais, desde logo porque esta não considerou que lhes estava a ser imposto um dever manifestamente excessivo e violador do direito à satisfação dos seus créditos, incluído no âmbito de proteção da garantia constitucional da propriedade, privando-os de utilizar e dispor de um direito que faz parte integrante do seu património.
O exposto determinou a apresentação, pela Provedora de Justiça, e após queixa apresentada pela Associação Portuguesa de Centros Comerciais, de um pedido de declaração de inconstitucionalidade da aludida norma.
Na sequência do pedido de fiscalização, o Plenário do Tribunal Constitucional considerou existir, efetivamente, uma restrição excessiva dos direitos de propriedade associados aos centros comerciais, na parte em que isentou a obrigação de pagamento, pelos lojistas, da componente fixa de remuneração, e nesse sentido, declarou com força obrigatória geral, “a inconstitucionalidade da norma contida no n.º 5 do artigo 168.º-A da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, (…) na medida em que determina, a respeito das formas específicas de contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais, a isenção de pagamento da remuneração mensal fixa ou mínima devida pelos lojistas além de uma redução proporcional à redução da faturação mensal, até ao limite de 50% do valor daquela, quando os estabelecimentos tenham uma quebra do volume de vendas mensal, face ao volume de vendas do mês homólogo do ano de 2019 ou, na sua falta, ao volume médio de vendas dos seis meses antecedentes ao Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, ou de período inferior, se aplicável”.
A solução não foi inovadora e, desde logo, porque o legislador na alteração legislativa que havia efetuado à referida lei, no orçamento de estado para 2021, já a havia preconizado, ou seja, já tinha sido prevista uma isenção parcial do pagamento da remuneração fixa mensal, reduzida proporcionalmente à diminuição da faturação mensal, até ao limite de 50% do valor daquela nos estabelecimentos que tiveram uma quebra do volume de vendas mensal face ao volume de vendas do mês homólogo do ano de 2019, ou, na sua falta, ao volume médio de vendas dos seis meses antecedentes a março de 2020, ou período inferior se aplicável.
Parece-nos que foi a mais justa e equitativa solução na situação em apreço, pois considerou não só o impacto financeiro da pandemia na esfera dos lojistas, mas também dos proprietários ou promotores de centros comerciais, criando, desse modo, um critério mais razoável de aplicabilidade de sacrifícios a ambas as partes e, por outro lado, baseada em fatores objetivos e concretos da rentabilidade económica dos lojistas.
Assim, e em suma, decorridos que se encontram quase dois anos sobre a entrada em vigor da referida norma, ora declarada (parcialmente) inconstitucional, poderão os proprietários ou promotores dos espaços/lojas dos centros comerciais, neste momento, e porque o Acórdão não restringiu temporalmente os efeitos da inconstitucionalidade, vir reclamar dos lojistas a devolução de uma parte das remunerações fixas que não tenham sido pagas por estes, e no período compreendido entre 13 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2020, aplicando-se ao cálculo da isenção parcial as condições constantes do referido Acórdão.
Saliente-se que este Acórdão peca por tardio e, desde logo, porque os efeitos da referida norma, em alguns casos, consolidou-se na esfera jurídica dos proprietários ou promotores de centros comerciais que, durante o referido período, se defrontaram com a necessidade de continuar a suportar os custos fixos que imóveis desta natureza acarretam, muitas vezes recorrendo a empréstimos bancários ou soluções financeiras alternativas.
Note-se, por outro lado, que a decisão proferida no referido Acórdão, terá um impacto económico considerável nos lojistas, pelo que irá ser relevante aferir na prática, os termos e condições em que irão ser negociados, entre as partes, os pagamentos das remunerações parciais em causa, mediante a celebração de eventuais acordos ou aditamentos aos contratos em curso.
por João Carlos Teixeira e Márcia Rodrigues, Área de Prática – Contencioso e Arbitragem