Recentemente, os mais místicos e ricos clubes de futebol do mundo juntaram-se para afirmar em conjunto que será criada mais uma competição de futebol – deles, para eles, com os seus próprios convidados e com as suas próprias regras.
Constata-se, depois do corrido, que pela saúde do desporto, urge repensar os modelos de governance das competições ao nível internacional. O futebol tornou-se no produto que é (com as suas características e tudo o que o faz viver) com esta fórmula, e não outra.
Este ‘Assalto ao Castelo’ apenas foi possível projetar com base nos interesses financeiros que daí podem advir, tendo em conta a intensidade desportiva desta mesma fórmula.
Pois bem, e agora? Que futuro?
A ausência de regulação que proteja as competições internacionais traz, desde logo, graves consequências para os próprios jogadores. Quais os eventuais danos que podem resultar para um atleta, que por eventual decisão superior, se vê impossibilitado de disputar as competições desportivas com as quais legitimamente contava no início do seu contrato de trabalho desportivo? Qual a consequência legal, e qual a consequência para o seu rendimento físico, do qual depende diretamente o seu valor enquanto atleta?
Por outro lado, onde ficam as restantes competições desportivas nacionais dos clubes que não teriam acesso a esta prova, apesar do seu mérito desportivo? Como seriam reequilibradas as assimetrias desportivas, cada vez mais óbvias, em competições domésticas que sofreriam os efeitos colaterais de uma escolha que não foi sua? E qual a consequência para as seleções nacionais?
E relativamente ao destinatário final deste desporto – os adeptos? Perdendo-se o mérito desportivo, perder-se-ia o sonho de erguer uma taça, a emoção do golo sofrido no último minuto – no fundo, tudo o que os motiva quando se dirigem a um recinto desportivo.
Tudo o que no futebol é popular e faz viver a emoção da bancada, faz parte da tal fórmula do sucesso destas competições (que consequentemente lhe traz os milhões que esta fórmula vale), e que com este tipo de projeto atingiria o seu inevitável fim.
Por último, e numa ótica mais abrangente, uma competição fechada é ilegítima por natureza e anticompetitiva, e por esse motivo, ilegal. É uma violação clara de todos os princípios do mérito desportivo, concentrando numa única competição os clubes que são considerados os mais privilegiados no mundo do futebol. Sendo condenável um cenário de oligarquia desportiva, é questionável o monopólio assumindo pela UEFA – questionável, mas compreensível, diríamos. É inegável a vantagem de termos uma única organização, como a UEFA, de forma a conseguir organizar as competições, centralizando as mesmas no mesmo núcleo de decisão.
Afinal, onde andam os pilares de equilíbrio competitivo, o fair play financeiro ou a transparência? A própria FIFA e a UEFA já se pronunciaram publicamente desaprovando esta liga europeia fechada e dissidente, fora das estruturas atuais do futebol.
Posto isto, rapidamente chegamos a uma conclusão clara – é crucial a existência de uma reforma de fundo das competições europeias. Se a vontade for a de evitar um novo ataque aos alicerces dos princípios fundamentais do desporto, a reforma terá inevitavelmente de passar por dois vetores – o diálogo com todos os intervenientes desportivos; e com estes, o caminho para a regulação.
A criação de regulamentos e regras que tornem o futebol europeu mais competitivo e equitativo é a única direção possível. Tanto a FIFA como a UEFA podem e devem atuar de forma a conservar os valores (sejam os que restam ou os que querem implementar), podendo, de acordo com os estatutos de ambas, sancionar os clubes que participem nesta Superliga (o que já veio a acontecer, apesar de ter sido quase em forma de indulto) e em ultima ratio levar mesmo à sua expulsão.
Certo é que o jogo tem de ser protegido, mas mais que o próprio jogo – têm que ser protegidos todos que com ele vivem e o fazem viver.
por Sports Lab