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News & MediaCentralização dos Direitos Televisivos: um Novo Jogo fora das Quatro Linhas?

20 de Novembro, 2025

 

A discussão sobre a centralização dos direitos televisivos no futebol português voltou a ganhar intensidade, e com razão. O tema, que há muito circula nos corredores da Liga Portugal e nos gabinetes dos clubes, volta agora a estar em cima da mesa com o Governo a admitir legislar caso não haja consenso entre os agentes desportivos.

No cerne da questão está a necessidade, cada vez mais reconhecida, de redistribuir de forma mais equitativa as receitas provenientes da transmissão televisiva dos jogos, reduzindo as assimetrias financeiras entre os clubes da I e II Liga e reforçando a competitividade do campeonato nacional.

Com efeito, o modelo atual assenta em negociações individuais, nas quais cada clube comercializa os seus direitos de transmissão diretamente com os operadores televisivos. Tal regime favorece, naturalmente, as instituições de maior dimensão e poder negocial, acentuando um fosso financeiro que se repercute nas classificações desportivas, no equilíbrio competitivo e na sustentabilidade do ecossistema. Por conseguinte, a ideia de uma centralização surge como instrumento de correção dessas distorções, prometendo um mercado mais justo, previsível e transparente.

Não obstante, cumpre referir que a implementação deste modelo exige uma reconfiguração jurídica e económica complexa. A lei portuguesa já prevê, desde 2015, a possibilidade de uma venda centralizada, mas a ausência de consenso político e a resistência de alguns clubes travaram a concretização. Assim, o debate reacende-se em 2025, impulsionado pelo exemplo de várias ligas europeias que avançaram neste sentido com resultados positivos, mas também com desafios significativos.

 

Modelos internacionais: o que ensinam as outras ligas

A título comparativo, a Premier League inglesa é frequentemente apontada como o paradigma de sucesso da centralização. Desde 1992, os direitos são negociados coletivamente, sendo a receita distribuída segundo critérios que combinam igualdade, mérito desportivo e audiência. Cerca de 50 % do montante é repartido de forma igualitária, 25 % depende da classificação final e os restantes 25 % baseiam-se na exposição televisiva.

Este equilíbrio tem permitido uma liga financeiramente robusta, capaz de atrair investimento global e manter competitividade entre clubes de diferentes dimensões.

Neste caso, o processo partiu da iniciativa dos próprios clubes fundadores, que decidiram, aquando da criação da Premier League, autonomizar-se da Football League e negociar coletivamente com a aprovação da federação inglesa, um modelo privado que mais tarde inspirou legislação e práticas internacionais.

Já a La Liga espanhola, que apenas adotou a centralização em 2015, apresenta um modelo semelhante, embora com um grau de desigualdade ainda relevante. A distribuição segue critérios de audiência, resultados e relevância histórica, procurando, contudo, garantir uma percentagem mínima igualitária.

Neste contexto, o movimento partiu do Governo espanhol, que, perante o impasse entre clubes, aprovou um Real Decreto-Ley impondo a venda centralizada e obrigando a Liga a negociar coletivamente. A intervenção estatal foi decisiva para desbloquear o modelo e assegurar transparência e solidariedade financeira, um precedente que poderá inspirar o legislador português.

Na Bélgica, a Pro League centralizou os direitos de forma faseada, criando um fundo de solidariedade que apoia clubes com menores receitas e investimentos em infraestruturas e formação.

O processo belga resultou de iniciativa conjunta entre clubes e liga, sem imposição governamental direta, sustentado por um consenso interno que visava estabilizar financeiramente o campeonato. O modelo evidencia que a centralização pode servir também como instrumento de desenvolvimento estratégico, desde que acompanhada de mecanismos de redistribuição e governança eficazes.

Nos Estados Unidos, a lógica é distinta: as ligas profissionais (como a NFL ou a NBA) funcionam como entidades únicas que detêm e comercializam todos os direitos. As franquias não negociam individualmente, recebendo parcelas equivalentes das receitas televisivas nacionais.

Com efeito, trata-se de um sistema nascido da estrutura privada e integrada das próprias ligas, e não de imposição pública. Esta centralização extrema garante estabilidade financeira e equilíbrio competitivo, mas exige uma organização empresarial que não se replica no modelo europeu.

 

Competições europeias: um modelo consolidado

Importa também recordar que, a nível europeu, as competições organizadas pela UEFA já operam sob regime de centralização plena. Desde 1999, a UEFA é titular e gestora exclusiva dos direitos comerciais e televisivos da Champions League, Europa League e, mais recentemente, da Conference League. As receitas são agregadas num “pool” central, sendo posteriormente distribuídas aos clubes participantes segundo critérios de desempenho, coeficiente histórico e market pool nacional.

Neste caso, a centralização resultou de iniciativa da própria UEFA, com o aval da Comissão Europeia, que viu na gestão conjunta uma forma de proteger a integridade das competições e evitar negociações fragmentadas.

Em outubro de 2025, a UEFA reforçou esse modelo ao lançar um novo concurso multimer­cado para o ciclo 2027-2031, com o objetivo de aumentar em 50 % as receitas provenientes da transmissão televisiva.

O processo, coordenado pela entidade UC3, uma joint venture entre UEFA e associações de clubes, visa maximizar o valor económico das competições e uniformizar a gestão dos direitos a nível global. Trata-se de um exemplo acabado de centralização bem-sucedida, ainda que suscite debates quanto à concentração económica e à autonomia das federações nacionais.

 

O que está em jogo para Portugal

Por conseguinte, a eventual centralização dos direitos televisivos em Portugal não é apenas uma questão de mercado; é também um tema jurídico e institucional. Implica definir quem detém o poder de comercialização, a Liga, os clubes ou uma entidade independente, e quais os critérios de distribuição das receitas. Embora a centralização dos direitos televisivos possa levantar questões de direito da concorrência, a Comissão Europeia reconheceu há mais de 20 anos a sua compatibilidade com a legislação da União Europeia, considerando benefícios objetivos como ganhos de eficiência económica e a redistribuição equitativa de rendimentos entre os clubes. Ainda assim, mantém-se uma matéria controvertida.

Para os clubes, a centralização poderá significar uma redução imediata das receitas para alguns, mas uma maior previsibilidade e sustentabilidade no médio prazo. Poderá ainda promover a profissionalização da gestão, uma vez que a negociação coletiva exige estruturas de governação robustas e mecanismos de controlo financeiro. Para o público, o efeito poderá traduzir-se num mercado televisivo mais ordenado, com melhor acesso e qualidade de transmissão, ainda que persista o risco de concentração em poucos operadores.

Em suma, o debate português insere-se numa tendência europeia mais ampla de consolidação dos direitos desportivos, visando equilibrar competitividade e sustentabilidade económica. Todavia, subsiste o desafio político de conciliar interesses divergentes entre clubes grandes e pequenos, operadores de media e reguladores. Até qualquer alteração deste paradigma, a centralização continuará a ser um tema sensível, debatido dentro e fora das quatro linhas, e tudo indica que ainda dará muito que falar nos próximos meses.

 

por Ricardo Cardoso e João Jorge Pereira, Área de Prática – Desporto, Moda e Entretenimento

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