Fernando Antas da Cunha: “como todas as revoluções industriais e tecnológicas que vivemos até hoje, a profissão de advogado adaptar-se-á à nova realidade”
A Antas da Cunha ECIJA organizou no passado mês de fevereiro, em Lisboa, uma conferência ibérica sobre Fintech, onde se discutiram os novos modelos de negócio e consequentes desafios jurídicos no atual contexto regulatório. Em entrevista à Advogar, María Ruiz de Velasco, manager e responsável da área de FinTech & Regulação Financeira da Antas da Cunha ECIJA, e Fernando Antas da Cunha, managing partner, falam do evento, da aposta da firma nesta área de prática e dos desafios da transformação digital.
A Antas da Cunha ECIJA organizou a primeira conferência sobre FinTech a nível ibérico. O que levou a sociedade a organizar este encontro?
María Ruiz de Velasco – Tendo um departamento de FinTech e Regulação Financeira eminentemente ibérico, o nosso objetivo passa por aproveitar esse facto para aproximar estes dois mercados, que têm muitos pontos em comum, particularmente numa era em que a colaboração é fundamental para nos mantermos competitivos e conseguirmos acompanhar o ritmo com que a transformação digital está a mudar o sector financeiro. Pelo mesmo motivo, e após o sucesso desta primeira conferência ibérica sobre FinTech, celebrada em Lisboa, iremos realizar uma segunda conferência ibérica sobre FinTech em Madrid, possivelmente antes do verão.
“Ainda que a transformação digital não seja um fenómeno novo, só recentemente se colocaram os holofotes no sector FinTech, o que permitiu que sociedades de advogados com uma forte componente digital na sua oferta mais rapidamente se adaptassem e estivessem posicionadas para oferecer serviços jurídicos nestas novas áreas” – María Ruiz de Velasco, manager e responsável da área de FinTech & Regulação Financeira da Antas da Cunha ECIJA
Recentemente criaram um departamento para FinTech. Qual é o balanço que fazem dessa nova área de especialidade?
María Ruiz de Velasco – Extremamente positivo. Os nossos clientes valorizam o facto de sermos um departamento ibérico e multidisciplinar, onde as áreas de FinTech, Privacy e TMT trabalham de mão dada. O facto de a ECIJA ser líder no mercado espanhol na área de novas tecnologias pedia que existisse uma área de especialização no sector financeiro capaz de responder aos desafios que a transformação digital coloca nas instituições financeiras tradicionais e nas FinTechs.
Quais são os principais desafios que a transformação digital acarreta para as sociedades de advogados?
María Ruiz de Velasco – Os desafios são muitos, começando pelo skills gap, algo que é natural e que afeta a todos os setores devido ao ritmo em que se está a desenvolver esta mudança. Para dar um exemplo, e pondo em perspetiva a aceleração a que nos referimos, o Financial Conduct Authority (FCA) tinha duas pessoas a trabalhar no departamento de inovação financeira em 2014 e em 2019 são mais de 100 pessoas. Por outro lado, esta aceleração e o facto de não existirem fronteiras num mundo cada vez mais digital, implica que os legisladores tenham dificuldade em acompanhar o ritmo da inovação, o que significa que a arbitragem regulatória e a insegurança jurídica tenderão a acentuar-se. Como consequência desta transformação digital, as sociedades de advogados terão de apostar no talento, na formação e na cultura digital para conseguirem estar à altura dos desafios.
E as maiores oportunidades?
María Ruiz de Velasco – As oportunidades radicam também nos desafios e no facto de que, ainda que a transformação digital não seja um fenómeno novo, só recentemente se colocaram os holofotes no sector FinTech (Tecnologia Financeira pelas suas siglas em inglês), o que permitiu que aquelas sociedades de advogados com uma forte componente digital na sua oferta mais rapidamente se adaptassem e estivessem posicionadas para oferecer serviços jurídicos nestas novas áreas. Os nossos clientes procuram alguém que possa guiá-los pela engrenagem da legislação financeira e que, ao mesmo tempo, consiga facilmente fazer a ligação com as áreas de Privacy e IT.
“Deixámos de viver numa realidade em que apenas os tradicionais atores do universo judicial fazem parte, para passarmos a ter de conviver diretamente com outras realidades e com outro tipo de linguagem que terá de ser apreendida por todos nós” – Fernando Antas da Cunha, manager partner da Antas da Cunha ECIJA
Como é que as sociedades se estão a preparar para dar resposta a casos cada vez mais complexos e novos atendendo às consequências da transformação digital em todos os sectores?
Fernando Antas da Cunha – Ao nível da gestão, é inevitável encarar este novo paradigma. O desafio passa por conseguir que os advogados em geral estejam preparados para uma linguagem completamente diferente daquela a que estão habituados. Deixámos de viver numa realidade em que apenas os tradicionais atores do universo judicial fazem parte, para passarmos a ter de conviver diretamente com outras realidades e com outro tipo de linguagem que terá de ser apreendida por todos nós. Para tal, julgo que a tendência será a de seguir os passos de outros países no que à formação diz respeito. Hoje em dia é normal ver advogados que têm formação complementar em programação informática, em áreas de gestão e economia.
A nível de tecnologia, a tendência é a de adotar soluções que permitam que os escritórios sejam mais rápidos, mais eficientes sem que ponham em causa o seu rigor e a sua independência. Existe um conjunto alargado de soluções que estão a ir ao encontro desta necessidade.
Quais as tendências que iremos observar este ano no sector da Advocacia, no âmbito da transformação digital?
Fernando Antas da Cunha – Parte significativa dos escritórios com alguma dimensão já iniciaram os seus programas de transformação digital. No caso da Antas da Cunha Ecija, criámos um grupo de trabalho a nível de todos os escritórios do grupo, no qual estão a ser avaliadas várias propostas de valor a nível da Inteligência Artificial, Business Intelligence.
Não sou daqueles que defendem que o fim dos advogados está para breve ou que a maioria de nós ficará sem trabalho. Penso que, como todas as revoluções industriais e tecnológicas que vivemos até hoje, a profissão de advogado adaptar-se-á à nova realidade e com ela conseguirá conviver em prol dos interesses superiores dos clientes e da advocacia em geral.