1. Da Ação de simples separação judicial de bens
A lei permite que, por decisão conjunta ou individual dos cônjuges, se ponha termo à vida em comum, o que pode ocorrer por diversas formas:
- Separação de facto;
- Separação judicial de bens;
- Separação judicial de pessoas e bens; ou
- Divórcio.
No que concerne à simples separação judicial de bens,[1] que aqui se analise, cumpre desde já esclarecer que, sendo a mesma decretada, os efeitos produzidos se verificam no âmbito do regime de bens estipulado pelo casamento, passando a vigorar a separação de bens.
Isto significa que o vínculo conjugal não é dissolvido, mantendo-se todos os deveres do casal, nomeadamente os deveres de respeito, fidelidade e cooperação.
A simples separação judicial de bens é irrevogável[2], tem sempre carácter litigioso e fundamenta-se no perigo de um dos cônjuges perder o seu património pela má administração do outro.
É o cônjuge ofendido e lesado que tem legitimidade para impulsionar a ação.[3]
São requisitos da separação judicial de bens, nos termos do art.º 1767º do CC, que o requerente se encontre em perigo de perder o que é seu e que esse perigo provenha da má administração do outro cônjuge.[4]
Do ponto de vista processual, trata-se de um típico processo de jurisdição contenciosa,[5] da competência dos tribunais judiciais civis.[6]
Sendo dado seguimento ao pedido de separação judicial de bens, fundado no artigo 1767º do CC, a procedência da ação dependerá da prova dos respetivos pressupostos, ali enunciados, em concreto, da existência fundada de perigo da perda de bens, perigo esse resultante da má administração do outro cônjuge.[7]
Após o trânsito em julgado da sentença que decretar a separação judicial de bens, o regime patrimonial passa a ser o da separação, procedendo-se à partilha – extrajudicial ou por inventário judicial – do património comum como se o casamento tivesse sido dissolvido.[8]
2. Da Anulação da Simples separação judicial de bens pelos credores
Atentas as consequências da declaração da simples separação judicial de bens no património comum do casal, consequências essas que podem, em última circunstância, limitar as garantias patrimoniais existentes, cumpre perceber qual o entendimento da N/jurisprudência quanto à possibilidade de anulação deste ato.
Estabelece o artigo 605º do CC que os credores podem arguir a nulidade[9] dos atos praticados pelo devedor que possam causar-lhes prejuízo. Sendo declarada a nulidade do ato impugnado, o negócio jurídico retrocede ao seu estado primário, aproveitando não só ao credor que invocou a nulidade, como também a todos os outros credores.
A particularidade deste instituto, e o facto de estar previsto em preceito próprio, reside na legitimidade reconhecida aos credores de invocarem a nulidade de negócios simulados[10] que foram realizados em seu prejuízo.
Conforme entendimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.03.2005, “para a existência de simulação, exige a lei três requisitos: divergência entre a vontade real e a vontade declarada; intuito de enganar ou iludir terceiros («animus decipiendi»), e acordo simulatório («pactum simulationis»).”
Acresce que, é sabido que a nulidade é invocável a todo o tempo (artigos 286° e 240° do CC).
Da N/jurisprudência resultam algumas decisões no sentido da anulação de divórcios/separação judicial de pessoas e bens, em concreto, por se considerar ter existido uma simulação, que visou apenas a dissimulação e partilha do património, por forma a evitar o seu “chamamento” ao pagamento das dívidas de um dos cônjuges.[11]
Da análise dos referidos acórdãos se retira que os Tribunais Portugueses se apresentam sensíveis e atentos aos negócios simulados, não se coibindo de anular divórcios, separações judiciais de pessoas e/ou bens, sempre que considere terem sido violadas as normais legais já enunciadas.
[1] Artigos 1767º a 1772º do CC.
[2] Artigo 1771º do CC.
[3] Artigo 1769.º do CC.
[4] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.05.2012, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.12.2014, disponível em www.dgsi.pt.
[6] A doutrina e a jurisprudência muito têm discutido a questão da competência das Conservatórias, dos juízos de Família e Menores ou dos juízos cíveis para a apreciação da ação de simples separação judicial de bens. Vide acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 25.01.2016 e de 26.06.2014; acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.12.2014 e de 10.10.2013.
[7] Considera-se má administração, para efeitos de aplicação do artigo 1767º do CC, enquanto conceito amplo, de modo a abranger variadas situações em que, por atos de um dos cônjuges, a que o outro é inteiramente estranho, são executados/penhorados/arrestados bens comuns do casal.
[8] Artigo 1770º do CC.
[9] O regime da nulidade encontra-se consagrado nos artigos 285º a 294º do CC.
[10] Um negócio é simulado quando “por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante”, conforme artigo 240º, n.º1 do CC.
[11] Como exemplo indicamos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.01.2016; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 01.02.2007; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2005; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.03.2005; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-10-2005; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.10.2005; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.11.2004, todos disponíveis em www.dsgi.pt.